Trata-se de um tema muito complexo e vasto, o que exigiria um estudo aprofundado e longo. Neste breve artigo, faremos apenas alguns rápidos acenos, tocando levemente algumas dimensões por onde o tema poderia ser mais desenvolvido: arte, espiritualidade, sociedade, moral.
A influência da Igreja sobre o povo começa pelo seu próprio fundamento bíblico: “Estais edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual é Cristo Jesus a pedra angular” (Ef 2,20), fundamento esse preservado e perpetuado pela Igreja. A palavra grega eclesia-igreja indica o dinamismo dessa influência em dois sentidos: a assembléia dos fiéis reunidos e o local físico dessa reunião. A vida do povo em geral começa exatamente no âmbito do espaço sagrado e ao mesmo tempo social de uma igreja, compreendida como templo, por mais simples que seja, porque ela é a primeira ou uma das principais referências da comunidade dos crentes católicos.
Em geral, é no espaço sagrado de uma igreja que o povo ucraniano é instruído na fé, na doutrina e nos costumes por meio das pregações, da catequese e cursos de formação religiosa. O mesmo espaço foi e ainda é amplamente utilizado para o ensinamento da língua e da cultura ucraniana e para a transmissão das diversas tradições. A maior parte dos grupos folclóricos ucranianos tem o apoio da Igreja, que cede seus espaços para as suas reuniões e seus ensaios de danças.
O povo ucraniano esteve predominantemente sob a influência da cultura e da arquitetura bizantina, mas com o tempo, assimilando também alguns elementos da cultura ocidental cristã católica, criou seu próprio estilo, que foi modificando no decorrer de sua história. Fora da Ucrânia, nos diversos países da imigração e, é claro, também no Brasil, foram levantados inúmeros templos, seguindo em geral a mesma estética das origens e o mesmo cuidado pela beleza externa e interna do templo e pela sua preservação. Ouvi dizer de uma pessoa na Ucrânia, que o “ucraniano fica sem comida, mas não fica sem igreja”. Talvez seja um pouco exacerbada essa afirmação, mas ela reflete o valor que foi e ainda é dado ao templo, melhor dizendo – “santo templo”, para os ucranianos. A Igreja infunde na alma do seu povo o senso do sagrado, do divino, e isso é determinante para a vida prática.
Sendo assim, a Igreja influencia a arte e a espiritualidade de seu povo. No mundo cristão ocidental, dito latino, apareceram igrejas no estilo gótico e barroco, com as torres afuniladas; e no mundo cristão oriental, em formas de cruz, com cúpulas arredondadas. As primeiras apontam para o infinito, para o céu, como se tivesse indicando o esforço de seus fiéis para alcançá-lo; por sua vez, os cristãos orientais, encontrando-se em frente ao iconostásio e sob as abóbadas arquitetônicas, se sentem com se já estivessem no céu. Os ucranianos possuem sua arte peculiar, em grande parte inspirada pela arte sacra: a arquitetura com as construções de igrejas; a iconografia com seus iconostásios e ícones, que fazem parte também da vida doméstica – muitas famílias possuem seus santos preferidos com seus respectivos ícones; a música com as canções populares, que muitas vezes abordam temas religiosos; no âmbito da música, cultiva-se o amor por alguns instrumentos típicos ucranianos, como a bandurra o ou címbalos, que se prestam imensamente para a execução de música sacra; o folclore cujas danças refletem uma magia espiritual; o artesanato cujas pessankas constituem verdadeiras obras primas artísticas carregadas de muito simbolismo espiritual; e o mesmo se diga sobre os bordados.
Com essa sensibilidade religiosa e espiritual passada pelo ensinamento e vivência litúrgica da Igreja, passa-se quase que espontaneamente para outras dimensões fundamentais da vida humana, como a vida social, familiar, profissional e moral. A religião é o fundamento da moral. A partir da vivência do sagrado, iniciada quase sempre no âmbito da Igreja, a vida pode se tornar mais sagrada e santa, na linguagem cristã oriental – mais divinizada ou deificada e, por isso mesmo, mais elevada do ponto de vista moral. A moral cristã se torna mais aceita, mais praticável, porque possui um fundamento sólido e uma referência forte e viva; afinal, está fundamentada em Deus, na Santíssima Trindade. Nesse sentido, muitos fiéis melhoram suas vidas, porque, melhorando sua moralidade, vivem mais dignamente e com mais prosperidade, pois pedem o auxílio divino e são atendidos, além de se esforçarem pessoal e comunitariamente em fazer o bem a Deus, à natureza, aos outros e a si mesmos. Existem estudos científicos que comprovam o valor da religião e da fé na vida das pessoas, pois realmente vivem melhor; em caso de doenças graves, se recuperam com maior facilidade e assim vivem por mais tempo.
No caso da cultura ucraniana, essa relação dos fiéis com a Igreja aprofunda-se ainda mais, pois chega a ter uma conotação de identidade étnica, formada nas raízes históricas. As pessoas, as famílias, as comunidades e as paróquias identificam-se com a sua igreja, com o seu templo: “esta é a nossa igreja”; “é a igreja dos meus avós, dos meus pais”; “esta igreja meu pai ajudou a construir”; “sob a liderança do meu avô foi construída esta igreja”; “quero que meus filhos e netos continuem seguindo o nosso Rito”; “queremos que as futuras gerações preservem essa riqueza”.
Conclui-se que a Igreja Católica Ucraniana constitui uma referência central para entender a vida e a cultura do povo ucraniano: seu passado, seu presente e também seu futuro, porque ela é um sinal fortemente marcante de sua cultura com todos os seus valores.
Dom Volodemer Koubetch, OSBM
Bispo Eparca de São João Batista
dos Ucranianos Católicos no Brasil