Espiritualidade

A salvação, antes de tudo, é obra divina, parte da iniciativa da Trindade: obra do Pai por meio das suas “duas mãos”. Deus chega até o homem para divinizá-lo e santificá-lo, isto é, salvá-lo. Deus faz a sua parte. Cabe ao homem também responder às energias salvíficas, à graça salvífica que lhe é oferecida, fazendo, em liberdade, a sua parte. A obra da deificação, portanto, é sinérgica: é a interação da divindade e da humanidade, segundo o protótipo e atuação de Cristo, o Deus-Homem, e pelo poder atualizador e plenificador do Espírito Santo. Existe um movimento descendente, divino, e um movimento ascendente, humano. Deus desce à humanidade e o homem sobe à divindade. Isso implica uma espiritualidade e uma mística próprias, que assumem características específicas na teologia oriental.

A fim de esclarecer, em linhas gerais, a participação e colaboração do homem na sua deificação, esta seção se ocupa de alguns aspectos mais importantes da espiritualidade oriental, enfatizando o pensamento de P. Evdokimov. Os aspectos eclesiais, litúrgicos e sacramentais ficam para o próximo capítulo. Nesta seção são tratados os seguintes aspectos: a deificação funda, prevalentemente, uma espiritualidade mais ontológica e menos moral; ela acontece dinamicamente pela cristificação e pela pneumatização; sendo obra divina e humana ao mesmo tempo, trata-se de uma sinergia; enfim, a deificação se qualifica como ascético-mística.

Espiritualidade ontológica

A história das respectivas espiritualidades do Oriente e do Ocidente cristão nos mostra grandes convergências, mas também divergências de acentuações. Antes de tudo é necessário enfatizar que a espiritualidade oriental não aprecia formulações abstratas e conceitualizações: mais do que discursiva, ela é litúrgica e iconográfica; é essencialmente bíblica e fundada sobre a tradição, da qual extrai incessantemente o instinto da ortodoxia; é profundamente caracterizada pela alegria pascal, pela vitória de Cristo. Enquanto o Ocidente gravita misticamente ao redor da cruz, cuja figura domina os altares e as absides das Igrejas, o Oriente, evitando o “dolorismo”, gravita em torno do mistério da glória de Deus e da potência vitoriosa de Cristo, cuja figura como Pantocrator ressurge majestosa sobre as absides dos templos.

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