Trindade

História do ícone

Este ícone foi pintado pelo monge russo Andrei Rublev no primei­ro quarto do século XV. Mede 114 x 142 cm, dimensões que se aproximam de um quadrado. Foi encomendado pelo higúmeno São Nikon, sucessor de São Sérgio de Radonej, no mosteiro que tem seu nome, a uns 60 km de Moscou (Zagorosk).

A pedido do higúmeno, o ícone foi colocado junto dos restos de São Sérgio, que era conhecido por sua devoção especial à Trindade. Atualmente, o original, sem a parte metálica que o recobria e bastante restaurado, está na galeria Tretjakov em Moscou; e na igreja Santíssima Trindade, junto aos restos mortais do Santo nacional russo, existe uma perfeita reprodução.

No Oriente cristão, o acontecimento descrito em Gn 18,1-5, onde Abraão recebe a visita de três anjos no carvalho de Mambré, tem sempre sido interpretado como prefiguração de Deus em Três Pessoas. O texto, de fato, alterna o singular e o plural, como se houvesse apenas um visitante.

Enquanto um ícone anterior sobre o mesmo tema (século VI, São Vital, Ravena) retrata toda a cena, incluindo Abraão, Sara e o vitelo, o monge Andrei, acostumado à contemplação das coisas celestes, apresenta em seu ícone apenas a casa de Abraão, o carvalho e uma montanha. Também substitui o vitelo pelo cálice eucarístico e agrupa os Anjos em um concílio trino e uno.

Dogma trinitário

No Antigo Testamento, a Trindade é prenunciada como um mistério prestes a ser revelado. Deus trata historicamente com os patriarcas e os profetas.

O Novo Testamento registra a primeira manifestação clara da Trindade, que aconteceu no Batismo de Cristo. É, acima de tudo, por intermédio do Verbo e no Espírito que Deus se revela para a humanidade. Com a autocomunicação de Deus em Jesus Cristo e no Espírito na história, a revelação da Trindade tornou-se racionalmente aceitável dentro de nossa experiência histórica.

A doutrina da Igreja sobre a Trindade, dogma fundamental da fé cristã, ensina que o Deus Único existe em Três Pessoas – Pai, Filho e Espírito Santo – e uma única substância. É um mistério em sentido estrito e a razão não consegue entendê-lo sem a ajuda da revelação. Mas o conceito da Trindade não é incompatível com os princípios do pensamento racional. Os concílios de Nicéia (325) e Constantinopla (381) definiram a distinção, igualdade e eternidade das Três Pessoas.

Interpretação do ícone

O ícone de Rublev é cheio de simbolismo. É difícil pensar em um ícone semelhante, tão rico em teologia, simbolismo e beleza. Paul Evdokimov disse que “não existe algures nada semelhante quanto à força de síntese teológica, à riqueza do simbolismo e à beleza artística” (La teologia della bellezza).

É fácil descrever um círculo ao longo dos contornos exteriores dos Anjos de cada lado. Nesta composição de excepcional harmonia, também é possível traçar um tri­ângulo e uma cruz. As cores possuem luminosidade e transparência extraordinárias. A perspectiva inversa aproxima a imagem daquele que a observa: as linhas arquitetônicas, que dir-se-ia provenientes do infinito, convergem para o espectador. O conjunto cria a sensação de profunda paz dentro do movimento circular da cena.

As figuras dos três Anjos, esbeltos e leves, são muito alongadas. O que nos impressiona sobre essas três figuras distintas não é só a semelhança entre eles, mas também sua inerente unidade: um Deus em Três Pessoas, que se completam em um círculo infinito de comunhão amorosa.

O Anjo da direita representa o Espírito Santo, enquanto não há certeza se o Anjo do centro representa o Pai ou o Filho. O objetivo do iconógrafo não era conduzir o fiel a voltar-se a uma ou a outra pessoa da Santíssima Trindade, mas, apoiando-se em uma imagem bíblica, levá-lo à contemplação da essência do Mistério de Deus-Trino.

No fundo, a tenda de Abraão tornou-se o palácio-templo; o carvalho de Mambré, a árvore da vida; do cosmo, apenas um aceno na rocha da direita.

O centro do círculo perfeito esboçado pelas três figuras é o cálice que representa o sacramento da Eucaristia e o mistério da Encarnação. O eterno colóquio de Deus tem como tema a redenção da humanidade.

A exortação, tantas vezes repetida por São Sérgio de Radonej (+ 1392), chega até nós por meio desse esplêndido ícone de seu discípulo: “Contemplando a Santíssima Trindade, vencer a dilacerante divisão deste mundo”.