Igrejas ucranianas

Nº 088/09

APRESENTAÇÃO DO LIVRO
“Igrejas ucranianas: uma documentação necessária”

            O livro do arquiteto e urbanista Fábio Domingos Batista “Igrejas ucranianas: uma documentação necessária”, proposto pelo Instituto Arquibrasil e patrocinado pela Petrobrás, remete a uma reflexão sobre o significado humano dos templos em geral e, especialmente, sobre a importância da cultura ucraniana refletida neles, justificando a necessidade de conhecê-los e a obrigação de preservá-los. Trata-se, portanto, de uma obra histórica e cultural de suma importância, merecendo nosso reconhecimento, apoio e gratidão. Certamente, o livro representa uma valiosa contribuição e enriquecimento bibliográfico na área da cultura ucraniana no Brasil.

As construções dos edifícios sagrados, que chamamos de igrejas ou templos, variaram muito segundo as diversas culturas, desde os tempos mais antigos até os tempos atuais, mas seu significado humano, cultural e religioso permanece praticamente o mesmo. Em épocas antigas, os templos não só serviam para espaço de reunião dos fiéis, mas também de lugar de morada especial dos deuses. Os templos do Oriente antigo tinham também significado cósmico, como, por exemplo, nos templos egípcios, a parte inferior significava a terra de que nascem as diversas plantas, que eram de fato ali representadas pictoricamente; e o teto, pintado de estrelas e pássaros divinos, indicava a cúpula celeste. Entre os semitas e indo-germanos, o templo era asilo dos que pediam proteção.

No Antigo Testamento, os hebreus sempre tinham a consciência da presença de Javé no templo. Segundo o historiador Flávio Josefo, as três partes do templo judaico deviam corresponder à composição visível do mundo: pátio – mar, espaço principal – terra, santo dos santos – céu. Mas também encontramos críticas ao templo, colocadas principalmente pelos profetas, deixando claro que o que decide a presença de Deus não é o edifício exterior do culto, mas somente a pureza moral do povo de Israel, pois Deus lhe disse: “Melhorai os vossos caminhos e as vossas obras, e eu vos farei habitar neste lugar” (Jr 7,3). “Porque é amor que eu quero e não sacrifício, conhecimento de Deus mais do que holocaustos” (Os 6,6).

No Novo testamento, essa sensibilidade espiritual e moral é reinterpretada por Jesus Cristo, que disse existir “algo maior do que o Templo”; e, após citar o texto acima citado de Oséias, conclui: “Pois o Filho do Homem é senhor do sábado” (Mt 12,6-8). O templo propriamente dito não se compõe somente de pedras terrenas e, sim, do corpo de Cristo (cf. Mc 14,58). Diante dos judeus, Jesus foi muito claro em sua afirmação: “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei” (Jo 2,19), o que se refere diretamente ao seu corpo crucificado, morto, sepultado e ressuscitado. Esta duplicidade de amor e crítica ao templo encontra-se também em São Paulo, que ensinou que o templo, como lugar da moradia de Deus, pode ser construído em cada um dos cristãos: “Não sabeis que sois um templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Cor 3,16).

Toda a cristandade se consolidou nessas bases bíblicas: “Estais edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual é Cristo Jesus a pedra angular” (Ef 2,20), preservada, continuada e perpetuada pela Igreja. Esta palavra provém do grego “eclesia” e possui dois sentidos: a assembléia dos fiéis reunidos e o local físico dessa reunião. É a partir daí que se fala da construção dos templos cristãos, que tiveram sua evolução mais aprimorada a partir de 313, quando os cristãos obtiveram a liberdade religiosa com o Edito de Milão, lavrado pelo Imperador Constantino. A partir do século IV, essas construções começaram a ser chamadas também de “templos”, do latim “templum”. Nos três primeiros séculos se evitava essa denominação, porque assim eram chamados também os templos pagãos. Quando o cristianismo se tornou religião oficial, os cristãos aceitaram esse nome para seus edifícios de culto.

Conforme as épocas e culturas, foram sendo construídos os mais diversos estilos de templos, utilizando-se de várias artes como a arquitetura, a escultura e a pintura, além de necessitar da ajuda de algumas ciências como, por exemplo, a engenharia. No mundo cristão ocidental, dito latino, apareceram igrejas no estilo gótico e barroco, com as torres afuniladas; e no mundo cristão oriental, em formas de cruz, com cúpulas arredondadas. As primeiras apontam para o infinito, para o céu, como se tivesse indicando o esforço de seus fiéis para alcançá-lo; por sua vez, os cristãos orientais, encontrando-se em frente ao iconostásio e sob as abóbadas arquitetônicas, se sentem com se já estivessem no céu.

O povo ucraniano, nos seus primórdios cristãos, esteve predominantemente sob a influência da cultura e da arquitetura bizantina, mas com o tempo, assimilando também alguns elementos da cultura ocidental, criou seu próprio estilo, que foi modificando no decorrer de sua história. Fora da Ucrânia, nos diversos países da imigração, foram levantados inúmeros templos, seguindo em geral a mesma estética das origens e o mesmo cuidado pela beleza externa e interna do templo e pela sua preservação. Ouvi dizer de uma pessoa na Ucrânia, que o “ucraniano fica sem comida, mas não fica sem igreja”. Talvez seja um pouco exacerbada essa afirmação, mas ela reflete o valor que foi e ainda é dado ao templo, melhor dizendo – “santo templo”, para os ucranianos. E não foi diferente aqui no Brasil: é o que mostra o livro em pauta.

O templo, que é um lugar sagrado, possui uma ligação com outros espaços sagrados, como cemitérios, grutas, vias-sacras, vertentes de água, bases de estátuas próximas ao templo; e também tem tudo a ver com o tempo sagrado: a oração, a liturgia, as diversas celebrações, o calendário litúrgico. Uma das dimensões do ser humano é sua religiosidade, pois possui um espírito, uma alma, é um “ser religioso”, aberto à transcendência, e assim encontra no templo a referência fundamental de sua existência. No templo, sua vida pode se tornar mais sagrada e santa, na linguagem cristã oriental – mais divinizada ou deificada e, por isso mesmo, mais elevada do ponto de vista moral.

Também, a partir do templo, muitos fiéis melhoram suas vidas, porque, melhorando sua moralidade, vivem mais dignamente e com mais prosperidade, pois pedem o auxílio divino e são atendidos, além de se esforçarem pessoal e comunitariamente em fazer o bem a Deus, aos outros e a si mesmos. Existem estudos científicos que comprovam o valor da religião e da fé na vida das pessoas, pois vivem melhor; em caso de doenças graves, se recuperam com maior facilidade e assim vivem por mais tempo. A vivência do tempo no dia-a-dia da pessoa de fé é uma continuidade da vivência mais intensa desse tempo no templo, constituindo uma visão cristã e existencial harmônica, equilibrada e coerente.

No caso da cultura ucraniana, essa relação dos fiéis com o templo aprofunda-se ainda mais, pois chega a ter uma conotação de identidade étnica, formada nas raízes históricas. As pessoas, as famílias, as comunidades e as paróquias identificam-se com a sua igreja: “esta é a nossa igreja”; “é a igreja dos meus avós, dos meus pais”; “esta igreja meu pai ajudou a construir”; “sob a liderança do meu avô foi construída esta igreja”; “quero que meus filhos e netos continuem seguindo o nosso Rito”; “queremos que as futuras gerações preservem essa riqueza”.

Conclui-se que os templos das comunidades ucranianas constituem uma referência central para entender seu passado, presente e também o futuro, porque são os sinais mais exuberantes e marcantes de sua cultura. Alguns templos são considerados como um “orgulho” por seus construtores e freqüentadores. São testemunhos e símbolos da profunda religiosidade e da elevada cultura do povo ucraniano. Constituem a beleza do rito bizantino-ucraniano. Por isso, é necessário preservá-los com todo o carinho humano e toda a competência técnica possível, dentro do espírito do nosso Rito, porque estarão sempre lembrando a nossa herança cultural e espiritual. Esses templos serão assim chamas eternas que nos iluminarão e aquecerão para o amor a Deus, à Igreja, à humanidade e, principalmente, à nossa Igreja Ucraniana.

Dom Volodemer Koubetch, Osbm
Eparca de São João Batista
dos Ucranianos Católicos no Brasil