Florença: palco renovado da união

Sob os auspícios de Sua Beatitude Sviatoslav Shevchuk – Arcebispo Maior, a colaboração direta do Pe. Volodemer Voloshyn – Coordenador Geral da Pastoral ucraniana na Itália e Pároco da Paróquia São Miguel Arcanjo de Florença e o apoio da Arquidiocese local, nos dias 14 e 15 de setembro de 2019, uma parte significativa do episcopado da Igreja Greco-Católica Ucraniana (IGCU), 22 Bispos, esteve em Florença, onde participou de encontros altamente promissores para o desenvolvimento eclesial, pastoral e ecumênico tanto da nossa Igreja quanto da Igreja latina. O evento se deu após a realização do Sínodo dos Bispos católicos ucranianos, que tratou sobre a comunhão e união na IGCU (01-10 de setembro), e o encontro de Bispos católicos orientais da Europa, que abordou o tema da missão ecumênica das Igrejas Católicas Orientais da Europa (12-14 de setembro), ambos no Pontifício Colégio São Josafat, situado na colina do Gianicolo, nas proximidades do Vaticano, sendo uma propriedade extraterritorial do mesmo. O conjunto das atividades em Florença foi uma espécie de coroamento dos trabalhos sinodais.

A fim de facilitar a compreensão do evento, a presente matéria inicia com alguns dados históricos de Florença e prossegue descrevendo momento por momento as atividades religiosas e culturais dos Bispos da UGCU nos dias 14 e 15 de setembro.

Dados históricos de Florença. Em italiano, Firenze e em latim Florentina, Florença é um munícipio italiano, sub-capital e maior cidade da região da Toscana e da província homônima, com cerca de 378 mil habitantes. A cidade é considerada o berço do Renascimento italiano e uma das cidades mais belas do mundo. Tornou-se célebre também por ser a cidade natal de Dante Alighieri, autor da Divina Comédia, que é um marco da literatura universal e de onde a língua italiana moderna tem várias influências.

Florença tem origem num antigo povoado etrusco e foi governada pela família Medici desde o início do século XV até meados do século XVIII. O primeiro líder da cidade pertencente à família Medici foi Cosme de Medici, que chegou ao poder em 1437. Destacam-se as diversas e belíssimas catedrais de épocas e estilos diferentes. A cidade também é cenário de obras de artistas do Renascimento, como Michelangelo, Leonardo da Vinci, Giotto di Bondone, Sandro Botticelli, Rafael, Donatello, entre outros. Nesta cidade nasceram os Papas Leão X, Clemente VII, Clemente VIII, Leão XI, Urbano VIII e Clemente XII.

Mas a histórica cidade é especialmente lembrada pelos historiadores, teólogos e sobretudo ecumenistas pela data 6 de julho de 1439, quando foi proclamada a união da Igreja Romana com a do Oriente. A catedral florentina Santa Maria del Fiore foi palco de um evento muito importante para o cristianismo e para a própria cidade: a promulgação pública da bula “Laetentur coeli – que os céus se alegrem” com a qual o Papa Eugênio IV anunciou a superação do cisma entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente. O texto foi lido pelo Cardeal Giuliano Cesarini, da Igreja latina, e por Bessarione, da Igreja oriental, diante de uma grande audiência de eclesiásticos de ambos os lados e de outros países. Cidadãos e estrangeiros ficaram tocados não apenas pela natureza excepcional do evento, mas também pelo espetáculo oferecido pela assembleia conciliar e em particular pelo imperador bizantino João VIII Paleólogo e pelos prelados gregos vestidos com suas suntuosas e incomuns vestimentas cerimoniais.

A união não alcançou os resultados esperados, principalmente da parte oriental, mas deixou marcas profundas e um legado muito profundo, que ecoa como um apelo permanente à Igreja contemporânea. Historiadores atuais afirmam que o Renascimento florentino, e que foi o ´mais importante da Itália, não aconteceria sem a vinda dos orientais. Isso porque o imperador bizantino trouxe consigo não somente os eclesiásticos, mas também filósofos, teólogos, cientistas e artistas. Interessante notar que sua assinatura do famoso documento da união conciliar florentina foi feita em tinta vermelha e letras bem destacadas.

Visita dos Bispos ucranianos. No dia 14 de setembro, no início da tarde, sua Beatitude Sviatoslav, com os Bispos do Sínodo da UGCU, iniciou uma peregrinação a fim de reverenciar as relíquias de São João Crisóstomo e celebrar duas datas importantes: o 580º aniversário do Concílio de Florença e o 55º aniversário da visita a Florença do Patriarca Josyf Slipyj. A visita foi realizada a convite do Cardeal Giuseppe Betori, Arcebispo de Florença.

Visita ao Museu Medicea Laurenziana. Chegando em Florença de trem, vindo de Roma, a delegação da UGCU visitou a Biblioteca do Museu Medicea Laurenziana, que abriga os atos originais do Concílio Florentino emitidos em 1439 e o Saltério de Lutsk editado em 1360. Essa exposição foi especialmente preparada para a delegação. Com particular interesse e emoção, os Bispos tiveram a oportunidade de ver a assinatura original do Metropolita Isydor e do Bispo Avraamij, provavelmente de Susdalh, que foram os representantes da Metropolia de Kiev no Concílio de Florença. Eles viram ainda uma tradução dos atos na língua eslava antiga, que havia sido preparada para a delegação metropolitana de Kiev.

Akathisto a São João Crisóstomo no Batistério da Catedral. Às 18 horas, no Batistério da Catedral de Florença Santa Maria del Fiore, Sua Beatitude Sviatoslav presidiu o Akathisto a São João Crisóstomo, em ucraniano e italiano, diante de suas relíquias, expostas no altar. Juntamente com os hierarcas e peregrinos ucranianos, o Akathisto foi acompanhado pelo Arcebispo de Florença Cardeal Giuseppe Betori (Arcebispo desde 8 de setembro de 2008 e Cardeal desde 18 de fevereiro de 2012) e pelo Cardeal Ernest Simoni (informações mais adiante). No início do culto, o Cardeal Betori cumprimentou Sua Beatitude, os Bispos da UGCU e os peregrinos. Ao final, um diácono explicou a arte mosaico-catequética do batistério. Simplesmente espetacular!

Visita ao Arcebispo. Após o Akathisto, os Bispos foram recebidos pelo Cardeal Betori em seu palácio com um fraterno jantar, durante o qual foi especialmente narrada a sofrida história do Cardeal Ernest Simoni, proveniente da Albânia. Ele estudou no colégio franciscano de sua cidade natal e foi ordenado padre em 1956. Em 24 de dezembro de 1963, foi preso por ter oferecido a Santa Missa do Galo pela alma do Presidente dos Estados Unidos da América, John F. Kennedy, que havia sido assassinado. Foi condenado à morte, mas a sentença foi comutada em 25 anos de prisão e trabalhos forçados. Durante os anos da prisão foi para os companheiros de prisão como um pai espiritual. Após 18 anos de trabalho duro, foi libertado em 1981, mas continuou a ser considerado como “inimigo do povo” pelas autoridades do regime socialista-comunista. Depois da queda do regime totalitário, exerceu seu ministério em vários vilarejos das campanhas albanesas. Em 21 de setembro de 2014, encontrou o Papa Francisco em ocasião da visita pastoral na Albânia. Em 9 de outubro de 2016, o Papa Francisco anunciou a sua elevação a cardeal.

Conserto do Coral Felicio. Pelas 21 horas, o Coral Felicio da cidade de Nadvirna, Ucrânia, deu um conserto na igreja Orsanmichele ou “Horta de São Miguel”, que, originalmente, foi um mercado de grãos e tornou-se uma igreja em 1380 ou 1404. O coral considera o Pároco Voloshyn um orientador espiritual e amigo, o que justifica sua presença nesse evento. Não foi possível encontrar mais informações sobre o coral, que canta num nível muito profissional, dirigido por uma jovem mulher.

Visita ao museu. Domingo, dia 15 de setembro, tendo pernoitado no Hotel Mediterraneo, os Bispos tiveram um dia bem intenso. O primeiro compromisso foi a visita ao Museo dell’Opera del Duomo, conduzida por um padre, que foi idealizador e organizador principal do mesmo no seu formato atual, que explora a dimensão religiosa, evangelizadora e catequética dos objetos e obras expostas. Encontra-se no lado nordeste da Piazza del Duomo e coleciona obras de arte do complexo sagrado do Duomo de Florença, do Batistério e do Campanile de Giotto, com um núcleo muito importante das estátuas góticas e renascentistas. Entre as obras mais importantes estão expostas as de Andrea Pisano, Arnolfo di Cambio, Nanni di Banco, os relevos originais da Porta del Paradiso de Ghiberti, a Pietà Bandini de Michelangelo e uma das maiores coleções de obras de Donatello no mundo. O museu tem origens remotas: inicialmente era um edifício usado desde 1296 para abrigar a Opera del Duomo, uma instituição laica fundada pela República Florentina, formada por administradores, artistas e trabalhadores que tiveram que cuidar da construção da Catedral Santa Maria del Fiore. Passou por muitas reestruturações e reformas no decorrer dos séculos.

Visita à paróquia ucraniana. Às 10h30min, os Bispos fizeram uma visita à comunidade da paróquia católica ucraniana, primeiramente tendo um momento de reflexão e oração. O Arcebispo Maior falou aos presentes, explicando o significado da vinda dos Bispos a Florença e apresentou cada um deles aos paroquianos. O Coral Felicio animou esse encontro. Depois houve um momento de confraternização.

A Comunidade Greco-Católica Ucraniana de Florença foi fundada em 24 de novembro de 2002. De 28 de dezembro de 2003 até hoje realiza sua vida pastoral na igreja dos Santos Simão e Judas, localizada no território da Paróquia de San Remigio. A partir de 1 de janeiro de 2014, com um decreto do Arcebispo de Florença, essa igreja tornou-se uma reitoria e foi confiada à comunidade mencionada, liderada pelo Reitor Pe. Volodemer Voloshyn. Em setembro de 2017, o Arcebispo de Florença Cardeal Giuseppe Betori estabeleceu uma paróquia pessoal sob o título de São Miguel Arcanjo, com sede na Reitoria dos Santos Simão e Judas. O Pe. Voloshyn foi nomeado pároco, que muito dedicadamente se encarregou da organização e condução da visita dos Bispos.

Divina Liturgia na Catedral. Na Catedral Santa Maria del Fiore, foi celebrada a Divina Liturgia Solene Pontifical, presidida por Sua Beatitude e concelebrada pelo Cardeal Betori, pelos Bispos ucranianos e um grande número de sacerdotes vindos principalmente das comunidades ucranianas da Itália. Padres latinos também concelebraram. Peregrinos ucranianos de diferentes partes da Itália chegaram à capital da Toscana para homenagear as relíquias de São João Crisóstomo e celebrar dois aniversários importantes: o 580º aniversário do Concílio de Florença e o 55º aniversário da visita do Patriarca Josyf Slipyj a Florença. O Coral Felicio de Nadvirna abrilhantou a celebração com suas belas vozes e harmoniosas melodias.

“Celebramos a Divina Liturgia no próprio altar, onde foram assinados os atos da união florentina; no mesmo altar sob o qual meu antecessor Isydor, Metropolita de Kiev, celebrou e, em nome da delegação de toda a Igreja de Kiev e de toda a Rus, assinou, como aquele vinicultor que, sob tal ato, entregava nas mãos de Deus o fruto do seu trabalho, a oração, o testemunho da Igreja de Kiev, que lembrava a Igreja ainda não dividida na época de Volodemer o Grande” – disse Sua Beatitude Sviatoslav em seu sermão, explicando o significado histórico da peregrinação da UGCU a Florença. “Portanto, podemos hoje vivenciar esta nossa peregrinação como uma peregrinação de confirmação e renovação desse espírito de unidade de Florença, que ocorreu nesta antiga Catedral há 580 anos atrás”, resumiu o pregador.

Outra data importante foi o 55º aniversário da visita oficial do Patriarca Josyf Slipyj a esta cidade. Dom Sviatoslav observou que a visita de seu antecessor ocorreu cinco anos antes da consagração da Basílica Santa Sofia em Roma. “Há duas semanas, iniciamos na cidade de Roma o Sínodo dos Bispos de nossa Igreja, comemorando o 50º aniversário da consagração da Catedral Santa Sofia em Roma. Mas cinco anos antes, 55 anos atrás, nosso Patriarca Josyf, um confessor da fé, prisioneiro dos campos de concentração de Stalin, chegou a Florença, porque queria seguir o caminho de seu antecessor – o Metropolita Isydor. Numa época, em que toda a Igreja universal, no novo impulso da busca ecumênica, queria entender qual o melhor modelo de unidade para a Igreja poderia ser oferecido tanto aos irmãos ortodoxos e protestantes quanto a todos aqueles que buscavam a unidade da Igreja na nova era, ele veio aqui”. Sua Beatitude Sviatoslav enfatizou que a assembleia do Sínodo dos Bispos da UGCU deste ano está sendo “coroada em Florença” como fruto da busca pela resposta à questão da “unidade e comunhão de nossa Igreja no mundo moderno”.

Ao concluir seu sermão, o chefe da UGCU expressou seu desejo: “Hoje queremos pedir ao Senhor Deus a paz, a bênção e unidade da nossa Ucrânia. Pois de onde, senão da Igreja, chega esse poder de se unir – e se unir com todos que podem ser diferentes de nós. Queremos que cada uma de nossas paróquias, tanto na Ucrânia como no mundo, seja o coração da união, unidade, unanimidade e amor ao próximo. Queremos que cada uma de nossas dioceses, seja na Ucrânia, Cazaquistão, Rússia, Brasil ou Argentina, seja o coração de toda a comunidade ucraniana. Queremos que o novo Exarcado para os ucranianos na Itália seja o coração, onde bate o coração ucraniano em terra italiana”.

Ao final da Divina Liturgia, o Cardeal Giuseppe Betori tomou a palavra pela qual manifestou seu reconhecimento e apoio aos esforços de união realizados em tempos remotos e atuais. Ele observou que a União de Florença “não deveria ser apenas uma lembrança do passado. Este é o grão lançado no solo desta cidade e que ainda precisa brotar”. Referindo-se a Sua Beatitude Sviatoslav, o Cardeal enfatizou que “o papel especial no cumprimento da União Florentina pertence ao seu antecessor, o Cardeal Isydor, o Metropolita de Kiev”. “Não posso deixar de mencionar a relação amigável entre o Beato Giorgio La Pira (prefeito de Florença) e o Cardeal Josyf Slipyj – dois indivíduos inspirados pela busca da paz entre os homens e da unidade da Igreja de Cristo. O Cardeal Slipyj, durante sua visita a Florença, não pôde conhecer La Pira, mas depois recebeu uma carta dele: ‘Florença está esperando por você de novo”. Depois de 55 anos, o sucessor do Cardeal Slipyj, Sua Beatitude Sviatoslav, Primaz da UGCU, retornou em peregrinação a Florença para cumprir esta profecia”.

Saudando Sua Beatitude Sviatoslav e os Bispos ucranianos, o Cardeal presenteou-o oferecendo-lhe as relíquias de São João Crisóstomo e uma cópia especialmente confeccionada da bula do Concílio de Florença. Em nome da UGCU, Sua Beatitude Sviatoslav doou à Arquidiocese de Florença um ícone de São João Crisóstomo.

Visita à Prefeitura. Ao entardecer daquele memorável domingo, para relembrar a peregrinação de La Pira à Rússia e à Ucrânia e para comemorar o cinquentenário da geminação entre Florença e Kiev, duas cidades amigas e irmãs, fortalecendo uma ligação não somente religiosa, mas também cultural e política, a delegação sinodal se reuniu com algumas autoridades municipais no Palazzo Vecchio, no Salone dei Cinquecento. Não foram feitos maiores registros sobre esse momento.

Confraternização na Paróquia ucraniana. No início da noite, finalizando a visita à Florença, bastante cansados, mas profundamente satisfeitos e felizes, os Bispos tiveram um momento mais descontraído no salão da Paróquia São Miguel Arcanjo, onde as dedicadas senhoras paroquianas prepararam e serviram um belo e gostoso jantar. Marcando presença, o Coral Felicio animou a todos com as canções ucranianas regionais.

Em seguida, os Bispos foram conduzidos à estação ferroviária, de onde retornaram a Roma para o merecido repouso.

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Iniciativa como essa, louvável e necessária, deverá ser obrigatória e amavelmente cultivada e repetida. Foi, pois, constituída por momentos de enorme beleza e nobreza cultural, espiritual e eclesial, que ficarão registrados na história e na memória dos participantes, constituindo um elevado ideal humano e cristão a ser eternamente buscado com muito amor pelo Reino de Deus e da Igreja de Cristo!

 

Dom Volodemer Koubetch