Ao entardecer do dia 3 de janeiro de 2020, faleceu em sua residência a Professora Doutora Oksana Olga Boruszenko, renomada historiadora ucraniana, estudiosa da imigração ucraniana e agente cultural no Paraná. Seu corpo foi velado no dia seguinte, sábado, numa das capelas do Cemitério Parque Iguaçu e seu sepultamento ocorreu no domingo, dia 5, na parte da manhã.
Sábado à tarde, o Arcebispo Metropolita Dom Volodemer Koubetch, acompanhado dos Padres Edson Ternoski e Neomir Doopiat Gasperin, do Subdiácono Michael Barbusa e da Catequista Maria Aparecida Pankievicz, solidarizou-se com os familiares e amigos, principalmente com a irmã Larissa, celebrando a oração fúnebre “Panakheda”. Um grupo de religiosas da Congregação das Irmãs Servas de Maria Imaculada: Rosália Parastchuk – Superiora Provincial, Josafata Pachechenik, Marilda Kozar e Alice Bartoski encontravam-se na capela e rezaram junto com a comitiva metropolitana.
A seguir, apresenta-se uma biografia básica da grande Professora Oksana Boruszenko.
Imigração
Nascida na Ucrânia em 09.04.1939, imigrou para o Brasil com os pais, em 1949. Oksana tinha 10 anos de idade e chegou junto com o pai engenheiro civil, que tinha 50 anos, e sua mãe professora, de 42 anos. Para recomeçar a vida no Brasil, trouxeram na bagagem a quantia de cem dólares e os aparelhos de engenharia de seu pai. Apesar do pai ser engenheiro, a família entrou no Brasil como agricultores, pois nessa época só eram chamados para o país os imigrantes que pudessem colonizar as terras.
Oksana relatou que na Ucrânia muita gente fez curso rápido de agricultura para vir para o Brasil, pois a propaganda que era feita e os incentivos para que os colonos europeus imigrassem para o país eram muito fortes e encantadores diante da situação que se encontravam, passando por necessidades, sem terras para plantar – no Brasil, eles receberiam terras para colonizar e começar nova vida. Ainda no século 19, as companhias italianas também fizeram propaganda do Brasil na Ucrânia, inclusive com cartas pessoais escritas por Dom Pedro II em ucraniano, oferecendo terras para os colonos europeus.
A imigrante disse que muitos vieram de forma equivocada para o Brasil, ou vieram por um erro de cálculo. Quando chegaram, foram colocados em terras ainda não desbravadas. Ela lembrou também que, quando chegaram no Rio de Janeiro, passaram por uma quarentena de 11 dias na Ilha das Flores, local destinado na época aos imigrantes e que, atualmente, é utilizado pelo exército brasileiro.
A família veio para o sul do Paraná e ficou duas semanas em Marechal Mallet. Seu pai, no entanto, queria ir para a Santa Catarina, pois lá havia conhecidos e se falava a língua alemã. Um primo seu se formou em engenharia e propôs para seu pai uma sociedade na construção civil. Então foram para Apucarana, no norte do Paraná, fundada poucos anos antes e em franco desenvolvimento, com muitas possibilidades de trabalho.
Dificuldades nas novas terras
O aprendizado da língua portuguesa foi bastante dramático para os primeiros imigrantes ucranianos que chegaram no Brasil. Em alguns casos, foram colocados de forma compacta nas colônias e interagiam pouco com a população local, o que acabou se transformando em um fator favorável para a preservação do idioma pátrio. A primeira geração sempre falou o português com sotaque estrangeiro. A segunda geração só aprendeu o português quando foi para a escola no primário – muitas crianças foram para a escola sem saber falar a língua portuguesa porque na comunidade só se falava a língua ucraniana.
Não sendo descendente de agricultores, a família de Oksana não foi morar nas colônias, como a maioria dos imigrantes, mas sempre morou em cidades. Curitiba acabou sendo o porto seguro da imigrante, tanto que, anos mais tarde, ela recebeu o título de cidadania honorária.
Oksana atribuiu o rápido aprendizado da língua portuguesa, apesar do forte sotaque que então possuía, ao fato de a família estar sempre em contato com pessoas que falavam o português, diferentemente da situação das crianças que moravam nas colônias. No entanto, disse que sempre teve facilidade com o aprendizado de línguas – nos dois anos em que ficaram em Apucarana, ela aprendeu a língua portuguesa com muita tranquilidade, tanto na escola, na qual refez todo o primário, como brincando com as crianças. Fez exame de admissão e, em 1952, todos vieram para Curitiba e ela foi estudar no Colégio Estadual do Paraná, onde concluiu seus estudos.
Integrada no país que a acolheu, Oksana obteve nacionalidade brasileira.
Vida acadêmica e cultural
Oksana doutorou-se em História Eslava – História do Leste Europeu – pela Universidade de Munique, Alemanha, em 1972, onde defendeu tese sobre a “Integração dos Ucranianos no Brasil”, tendo recebido nota máxima – “Suma cum laudae”.
Durante 25 anos foi professora dos Cursos de Graduação em História na Universidade Federal do Paraná. Foi também Professora Visitante da Universidade de San Clemente de Buenos Aires, da Universidade de Manitoba no Canadá, da Universidade de Munique e da Universidade de Columbia em Nova Iorque. Integrou o corpo docente dos Cursos de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná, nos quais orientou 26 teses de mestrado e doutorado e onde formou pesquisadores na área de estudos da imigração.
Concentrou sua atividade científica nos estudos de imigração no Paraná, dando especial enfoque à imigração ucraniana. Nessa área publicou 54 trabalhos no Brasil, Canadá, Alemanha, Estados Unidos e no seu país de origem – Ucrânia. Foi a primeira pesquisadora a dedicar-se de modo sistemático ao estudo da imigração ucraniana no Paraná e a ela se deve a preservação de muitos arquivos históricos da comunidade, inclusive na Ucrânia. Graças a seus estudos e pesquisas, tem-se conhecimento hoje quem são os ucranianos no Brasil e a grande contribuição dessa comunidade ao desenvolvimento do Paraná e do Brasil.
A Professora é considerada pela Comunidade Acadêmica Internacional uma das grandes especialistas em sua área de pesquisa. Prestou relevante contribuição ao desenvolvimento dos Estudos Eslavos no Brasil, tendo sido inclusive organizadora do primeiro Congresso Brasileiro de Eslavística.
Pelos trabalhos científicos desenvolvidos, recebeu cidadania honorária de Winnipeg, capital da Província de Manitoba no Canadá, Prêmio Cidade de Curitiba, da Câmara Municipal, Cidadania Honorária de Curitiba, da Prefeitura Municipal, bem como Medalha de Honra ao Mérito do Governo da Ucrânia.
Além do seu trabalho profissional, dedicou-se à comunidade ucraniana, tendo sido Presidente de sua Organização Feminina, Vice-Presidente da Confederação Mundial de Mulheres Ucranianas, bem como integrante da Diretoria da Representação Central Ucraniano-Brasileira, entidade máxima da comunidade ucraniana no Brasil. Dirigiu também o Patrimônio Histórico de Curitiba na década de 90, quando, sob sua orientação, foi construído o Memorial Ucraniano, em comemoração ao centenário desta imigração, que foi inaugurado pelo Presidente Leonid Kutchma da Ucrânia, em 1995.
A Professora Oksana era convidada com frequência para palestrar em eventos culturais ucranianos e sua fala sempre foi muito apreciada e até divertida devido a seu humor refinado.
A obra de Oksana mais conhecida entre os ucranianos é: Os ucranianos. Boletim Informativo da Casa Romário Martins v.22 n.108 out. 1995, 2ª ed.
Homenagem especial à Professora
No Domingo de São Tomé, dia 19 de abril de 2009, com início às 9 horas, na igreja matriz de Martim Afonso, o Eparca Dom Volodemer Koubetch celebrou a Divina Liturgia do 70º Aniversário da Professora Doutora Oksana Boruszenko. O Pároco Elias Marinhuk, OSBM introduziu a cerimônia. O Diácono João Karpovicz Sobrinho, OSBM leu uma biografia da Professora.
Na homilia, falando em ucraniano, o Bispo fez uma homenagem à ilustre pessoa, destacando seus admiráveis méritos acadêmicos e culturais, especialmente voltados à comunidade ucraniana no Brasil, e incentivou a geração mais jovem a seguir seu exemplo. No final da celebração litúrgica, entregou-lhe a bênção papal sob a entoação de um solene “Mhohaia lita”.
Sábado à noite, dia 25 de abril, no Círculo Militar de Curitiba, houve um jantar festivo em homenagem à Professora Boruszenko. Fizeram-se presentes várias autoridades acadêmicas da Universidade Federal do Paraná, líderes da comunidade ucraniana, religiosos e religiosas, ex-alunos, amigos e familiares. Especial saudação foi proferida pela Consulesa da Ucrânia Larissa Myronenko, que leu as felicitações do primeiro substituto do Ministro das Relações Exteriores da Ucrânia Kostenko e do Embaixador da Ucrânia no Brasil Volodemer Lakomov, que destacaram a rica atividade cultural da homenageada, voltada à preservação da cultura ucraniana em terras brasileiras. Entre as autoridades eclesiásticas estavam presentes os Bispos dirigentes das Igrejas Ucranianas Católica e Ortodoxa: Dom Volodemer Koubetch e Dom Jeremias Ferens.
*******
A vida e o trabalho acadêmico da Professora Doutora Oksana Boruszenko são um exemplo de luta, superação, dedicação, seriedade e amor em benefício da cultura de um povo, o seu povo, o povo ucraniano, com seus valores peculiares, ricos em si mesmos e enriquecedores da sociedade local. Finaliza-se esta matéria com a citação dos dois últimos parágrafos de seu livro Os ucranianos, p. 44.
“Os ucranianos se adaptaram ao nível socioeconômico existente, e integraram-se às estruturas da sociedade de adoção. Conservaram, porém, algumas características específicas, representadas sobretudo pela língua, tradições e costumes, preservados pelos descendentes”.
“Constituindo uma parcela do pluralismo cultural que caracteriza os países americanos, os ucranianos dão ao Paraná e, principalmente, a Curitiba, um colorido peculiar, através de suas igrejas de cúpulas bizantinas, dos seus ritmos e melodias, das cores e desenhos dos bordados artesanais, dos trajes de festas, dos ovos de Páscoa e das demais manifestações de natureza folclórica, que enriquecem a cultura local, fazendo parte de nossa história, esta história documento que aí está, para ser usada na construção de uma existência melhor”.
Gratidão e reconhecimento à Professora Oksana Boruszenko! Eterna é a sua memória! Vitchnaia pamiath!
Secretariado Metropolitano
FONTES
– Oksana Boruszenko: Os ucranianos. Boletim Informativo da Casa Romário Martins v.22 n.108 out. 1995, 2ª ed., p. 46-47.
– Eparquia São João Batista: Homenagem à Professora Doutora Oksana Boruszenko: Boletim da Metropolia, nº 13 – 2009 – Abril-Maio, p. 12-13
– Zilá Maria Walenga Santos: Oksana Boruszenko – Imigrante ucraniana – Sultaque – Identidade Cultural – Sotaque Curitibano: https://sultaque.com.br/oksana