Evento da USP abordou o Genocídio Holodomor

O Instituto de Estudos Avançados da USP – Universidade de São Paulo, através do Grupo de Pesquisa Tempo, Memória e Pertencimento, no dia 14 de setembro de 2020, com início às 14h30min, promoveu uma videoconferência que abordou o tema “Fome, fartura e experiências comunitárias na sociedade brasileira”.

O evento online, público e gratuito, focou a discussão da temática da fome versus fartura em experiencias comunitárias na cultura popular brasileira. O tema foi abordado analisando dois exemplos históricos: a superação da condição de fome pela vivência comunitária em Canudos através da narrativa dos sobreviventes e a experiência da fome sofrida na época do genocídio ucraniano, conhecido como Holodomor, e rememorada pelos emigrantes que se refugiaram no Brasil. Feitas as exposições por duas jovens pesquisadoras, Gabriela Daud Bollela e Ariane Andruchechen, o tema foi discutido a partir do olhar de uma psicanalise integrada com várias áreas dos saberes referentes à pessoa humana, especialmente Filosofia e Literatura.

A proponente e coordenadora do Grupo de Pesquisa Tempo, Memória e Pertencimento é a professora colaboradora sênior do IEA Marina Massimi, titular aposentada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. As principais motivações do grupo são: a necessidade de valorizar e preservar os documentos e monumentos ligados à história do país e a importância de que o conhecimento científico produzido acerca da memória e da história cultural chegue à população brasileira, inclusive aos currículos escolares. São quatro as questões tratadas: 1) as ações e os atores inerentes aos campos da memória e da preservação do patrimônio cultural, artístico e científico do país; 2) os processos de apropriação e transmissão dos saberes e das práticas no Brasil ao longo do tempo, na perspectiva da história cultural (especialmente no que diz respeito à vertente da psicologia e das ciências humanas) e da história política e do direito; 3) os processos de apropriação e transmissão das ciências no Brasil ao longo do tempo, na perspectiva da história cultural e política do país; 4) as relações entre experiências de pertencimento e a constituição do tecido social brasileiro (Fernanda Rezende: http://www.iea.usp.br)

Os trabalhos foram dirigidos pelo Pe. Prof. Dr. Márcio Luis Fernandes (PUC/PR e IEA/USP).

Marina Massimi (IEA/USP) e Gabriela Daud Bollela (FFLCRP/USP) trataram do tema “Canudos: a fartura física e simbólica que constituiu uma experiência comunitária”.

Com a ajuda do Orientador Pe. Márcio, a nossa Irmã Ariane Andruchechen, OSBM, do convento do Boqueirão, Curitiba, fez uma exposição sobre o tema “Holodomor, o genocídio ucraniano: memória da fome entre os emigrantes ucranianos do Paraná”, uma extensão de sua dissertação de mestrado pela PUC/PR: “Holodomor – genocídio ucraniano 1932-1933: violência, sofrimento humano e religiosidade”. Oportunamente, a religiosa escreverá um artigo descrevendo a sua caminhada acadêmica e como chegou ao estudo desse tema tão polêmico e espinhoso.

A pedido do Pe. Márcio, o Arcebispo Metropolita Dom Volodemer Koubetch teve uma participação especial nessa videoconferência. Ele agradeceu pela oportunidade de poder participar e parabenizou o trabalho da USP e, especialmente, a Ir. Ariane que, obedecendo seu Orientador, se encorajou em estudar o complicado tema do Holodomor. Em sua breve fala, ele transmitiu sua visão diante do Holodomor como um descendente de ucranianos, ser humano, religioso e pastor. O texto de sua fala encontra-se a seguir, com o acréscimo de sua visão como teólogo e como cidadão.

O debatedor foi Gilberto Safra, Professor titular da Universidade de São Paulo. Ele muitos outros títulos acadêmicos, ele possui Doutorado em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (1990). Interessante anotar que, em suas pesquisas, ele utiliza diálogos com Dostoievsky, Pavel Florensky, Vladimir Solovyov, Yannaras, Horujyi. Entre muitos argumentos, o Professor destacou que existe também a fome anímica do espírito e que, assim, os sobreviventes de Canudos e do Holodomor, constituem um fenômeno de qualidade anímica, com tríplice capacidade de sair da desumanidade para a humanidade, ou seja, de se elevar ao sentido ético, político e sagrado da vida. Por isso, os trabalhos das duas pesquisadoras não são somente um trabalho acadêmico, mas uma valiosa contribuição para a vida da sociedade.

 A Metropolia parabeniza a USP pela promoção de estudos sobre os genocídios históricos e atuais e agradece pela oportunidade dada para a etnia ucraniana em apresentar o Holodomor e divulgar essa triste verdade histórica. A videoconferência foi uma excelente oportunidade em dar uma importância acadêmica e maior visibilidade sobre um crime hediondo, que ainda tende a ser negado, ignorado e ocultado.

Irmã Ariane Andruchechen, OSBM merece um reconhecimento especial por ter a coragem e a competência de tratar de um tema tão espinhoso em nível acadêmico de mestrado, formatado pela PUC-PR, também merecendo reconhecimento os acadêmicos que a auxiliaram nessa empreitada, principalmente o Orientador Pe. Marcio Luis Fernandes. Sua dissertação é uma valiosa contribuição para a ciência histórica e para o povo ucraniano. Que o trabalho dessa jovem religiosa sirva de encorajamento para novos estudos e abordagens e para que estes iluminem as mentes e sensibilizem os corações diante das tragédias humanitárias históricas e atuais.

HOLODOMOR NA VISÃO DE DOM VOLODEMER

Como descendente de ucranianos, sinto o sofrimento e a dor dos aproximadamente 12 milhões de irmãos e irmãs dizimados pela fome propositalmente provocada, o extermínio sistemático do povo ucraniano, conhecido como “Holodomor”, um dos maiores genocídios da história. É uma ferida aberta na deplorável história e que continua latejando no presente em quem tem sentimento e consciência.

Como ser humano, me sinto entristecido e diminuído em lembrar que alguns líderes políticos, como Adolf Hitler e Josef Stalin, foram capazes de cometer barbáries tão atrozes contra os povos em questão. Esses crimes bárbaros do nazismo e do comunismo soviético não foram cometidos somente contra os judeus e ucranianos, mas contra toda a humanidade. É a humanidade que foi ferida naquilo que lhe é mais essencial: o direito à vida e à dignidade, o direito de ser gente, o direito a ser uma pessoa humana.

Como religioso, sinto a minha fé testada e a tentação de questionar e protestar diante de Deus, como, de certa forma, fizeram grandes líderes religiosos como o Papa Emérito Bento XVI e o Papa Francisco em visita a Auschwitz. Sabiamente, esses mestres espirituais priorizaram o silêncio: “Neste lugar, as palavras falham, aqui só pode haver um silêncio arrepiante” (Bento XVI). Sem medo de falhar, essas palavras podem ser transportadas ao contexto do Holodomor.

Como teólogo, parece-me que a “razão da nossa esperança” é atingida por um bloqueio epistemológico que impede a compreensão de algo que escapa a uma lógica, a uma compreensão, a uma racionalidade mínima. Como explicar uma “fábrica de morte”, uma “tanatofilia”-amor pela morte? Tanto o Holocausto quanto o Holodomor são concretizações do niilismo radical – negação de qualquer racionalidade: negação de Deus, negação do ser humano, negação da humanidade, negação da verdade, negação do bem, negação da beleza, negação da vida, negação do amor. Muito bem se pronunciou o Santo Papa João Paulo II em sua mensagem por ocasião da triste lembrança do 70º do Holodomor, em 2003: “… nefasta eficiência de uma ideologia que, durante todo o século XX, causou sofrimentos e lutos em muitas partes do mundo. … Tratou-se de um desígnio desumano praticado com determinação cruel pelos detentores do poder naquela época”.

Como cidadão, “dzoon politikon” na expressão de Aristóteles, e também como líder eclesiástico, defendo e apoio todas as iniciativas que se esforçam no sentido de averiguar e restabelecer a verdade histórica sobre um dos maiores crimes contra a humanidade na história da civilização, que foi o Holodomor. Com o objetivo de evitar a repetição de tragédias semelhantes no futuro, reitero o meu apoio para que mais instituições e países reconheçam o Holodomor como genocídio do povo ucraniano. Faço minhas as palavras do Embaixador da Ucrânia no Brasil Rostyslav Tronenko, no dia 9 de maio de 2018, na exposição sobre o Holodomor, no Senado em Brasília: “Se o Holodomor não tivesse sido calado e silenciado pela propaganda soviética, certamente o holocausto poderia ter sido evitado. O silêncio ensurdecedor dessa tragédia e a omissão criminosa desse fato hediondo fizeram com que a impunidade fosse possível de outras formas, com outros países”.

Como pastor, oriento e animo os cultores do bem-estar social, do estado de direito, da justiça e da paz, para que, evitando cair no mero criticismo, negacionismo e vitimismo, todos nós esforcemos ao máximo a fim de obter as informações e a formação necessárias, por meio de uma educação adequada, fundamentada em valores cristãos e humanos, e, assim, poder avaliar corretamente os genocídios do passado e evitar os genocídios do presente e do futuro. O olhar da esperança desbloqueará todos os entraves para acionar a construção corajosa e alegre de um mundo melhor. Porque ele é possível aos humanos de boa vontade. Um mundo sem fome é possível. O amor, a caridade globalizada, a solidariedade universal, buscando o bem da nossa casa comum – o planeta Terra e de seus inquilinos, deverá ser o fio condutor e o catalizador das nossas opções, decisões, escolhas e ações responsáveis. Que a palavra de Cristo seja a garantia do que queremos e buscamos para o mundo: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

VEJA A GRAVAÇÃO DO EVENTO PUBLICADA NO YOUTUBE:

https://www.youtube.com/watch?v=FEY6qk-VaEU&feature=emb_title