Encontro do Papa com a Igreja Católica Ucraniana

Por iniciativa de Sua Santidade o Papa Francisco, nos dias 05 e 06 de julho de 2019, nas dependências do Vaticano, mais precisamente na Sala Bolonha, foi realizado um importantíssimo encontro do Papa em pessoa e alguns Dicastérios com o Arcebispo Maior Sua Beatitude Sviatoslav Shevchuk, os Metropolitas e os membros do Sínodo Permanente da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Foi um evento inusitado e único, que será um marco histórico e trará resultados significativos para a nossa Igreja Católica Ucraniana e para toda a Igreja de Cristo.

Da parte da nossa Igreja, participaram desse inesquecível encontro: Sua Beatitude Dom Sviatoslav Schevchuk – Arcebispo Maior; os Metropolitas: Dom Lourenço Huçulak – do Canadá, Dom Igor Vozniak – de Lviv, Dom Volodymyr Vijtechen – de Ivano-Frankivsk, Dom Vassyl Semeniuk – de Zboriv-Ternopilh, Dom Volodemer Koubetch – do Brasil, Dom Eughen Popowicz – da Polônia; Dom Borys Gudziak – dos Estados Unidos; Membros do Sínodo Permanente: Dom Bohdan Danylo – Eparca de Parma, USA, Dom Bohdan Dziurakh – Secretário do Sínodo dos Bispos, e Dom Teodor Martinhuk – Bispo Auxiliar de Zboriv-Ternopilh.

A fim de registrar esse evento com maior profundidade e mais detalhes, inclusive colhendo algumas informações históricas e também algumas repercussões, a presente matéria está sistematizada nos seguintes pontos: 1) acompanhamento do Papa; 2) objetivos; 3) preparativos; 4) temática; 5) palavra do Papa; 6) comunicado da Santa Sé; 7) entrevista do Arcebispo Maior; 8) palavras finais.

1. ACOMPANHAMENTO DO PAPA

O encontro do Papa com a cúpula da Igreja Católica Ucraniana já vinha sendo gestada há muito tempo. Não se trata somente de uma decisão emergencial, mas de algo que já estava profundamente no espírito de Jorge Mario Bergoglio desde os tempos quando era ainda seminarista. Mas é sobretudo como Pontífice que Bergoglio tomou sobre si a causa da Igreja na Ucrânia, como se pode constatar nos seguintes fatos: 1) Os contatos com a Igreja Católica Ucraniana na Argentina; 2) A missão humanitária desejada pelo Papa na Ucrânia; 3) A oração pela paz; 4) As relações com a Ortodoxia; 5) Percursos respeitadores da legalidade internacional; 6) Fraternidade e amizade; 7) O Cardeal Turkson na Ucrânia; 8) Encontros com a comunidade greco-católica ucraniana em Roma.

1.1. Os contatos com a Igreja Católica Ucraniana na Argentina

No momento, não se está de posse de maiores detalhes sobre os contatos que Dom Jorge Mario Bergoglio tinha com as Igrejas Católicas Orientais na Argentina e especialmente com a nossa ucraniana. No entanto, alguns momentos e vivências de sua biografia são muito significativas, principalmente o contato com o Padre Stefano Chmil (depois Bispo) e sua devoção à Mãe da Ternura, relatados a seguir.

1.1.1. Bispo Stefano Chmil

Ainda adolescente, Jorge Mario Bergoglio era coroinha do então padre ucraniano salesiano Stefano Chmil (1914-1978), quando ele era missionário na Argentina nos anos 50. Como já tem feito em outras ocasiões, em seu discurso aos Bispos católicos ucranianos participantes do encontro, o Papa Francisco confidenciou: “Trago no coração e rezo por vocês, caros Irmãos ucranianos. E vos confidencio que às vezes o faço com as orações que recordo e que aprendi com o Bispo Stefano Chmil, na época, padre salesiano; ele me ensinou quando eu tinha 12 anos, em 1949, e aprendia com ele a servir a Divina Liturgia três vezes por semana”.

No dia 28 de janeiro de 2018, no encontro com os ucranianos na Basílica Santa Sofia de Roma, o Papa lembrou essa experiência que, de fato, marcou sua vida. Mergulhado nas lembranças, ele confidenciou: o Padre Stefano “foi uma pessoa que fez tanto bem. Eu era jovem, apenas 12 anos, assistia à sua missa. Um momento inesquecível! Ensinou-me a servir a missa, a ler o vosso alfabeto… Servindo a missa três vezes por semana, aprendi a beleza da vossa liturgia. Eu aprendi também as provas que a vossa fé teve que sustentar – uma fé formada em meio às terríveis perseguições ateias do século passado…”

1.1.2. Ícone da Virgem da Ternura

Anos atrás, Dom Sviatoslav Schevchuk doou ao então Arcebispo de Buenos Aires Dom Jorge Mario Bergoglio um ícone da Virgem da Ternura, a Theotokos de Volodemer, uma das mais veneradas em todo o mundo. Trata-se de um ícone da escola cretense do século XVII. Salta aos olhos as expressões de carícias dos dois rostos. Sensibiliza-nos, especialmente, a disposição das mãos: a do Menino Jesus está apoiada num confiante abandono sobre a mão direita da Mãe, enquanto que com a sua mão esquerda Ela o segura e ao mesmo tempo o acaricia.

Eleito Papa, Bergoglio pediu para que lhe trouxessem o ícone, que foi colocado em seu quarto na Casa Santa Marta, conservando-o “com uma veneração especial”. Disse o Papa: “Eu rezo com ele todos os dias”. “Todas as noites, antes de ir para a cama, mando um beijo à Mãe da Ternura que o vosso Arcebispo me presenteou, e também de manhã a saúdo. Assim, se pode dizer que começo e termino o dia em ucraniano”.

O Papa Francisco manifesta essa ternura de Pai diante da Igreja Católica Ucraniana, com seus filhos e filhas.  

1.2. A missão humanitária desejada pelo Papa na Ucrânia

O Papa Francisco sempre amou de modo particular este país, que sofre com uma guerra que já dura cinco anos. Em 2016, promoveu uma iniciativa humanitária para a Ucrânia, com ativa participação das Igrejas Católicas da Europa e dos fiéis de outras partes do mundo e com a colaboração de outras Confissões e organizações internacionais para ir de encontro, de modo concreto, às primeiras necessidades dos habitantes dos territórios atingidos pela guerra.

1.3. A oração pela paz

O Papa já fez numerosos apelos em prol da paz na Ucrânia. Na mensagem pascal, em 21 de abril passado, disse: “Nesta Páscoa, encontre conforto a população das regiões orientais da Ucrânia, que continua a sofrer com o conflito ainda em curso. O Senhor encoraje as iniciativas humanitárias e as iniciativas destinadas a buscar uma paz duradoura”.

1.4. As relações com a Ortodoxia

Em 21 de janeiro de 2018, o Papa Francisco recebeu Dom Claudio Gugerotti, Núncio Apostólico na Ucrânia. Um comunicado da Nunciatura informou que o Pontífice ateve-se “à delicada condição das relações internas da Ortodoxia, sobre a contribuição das Igrejas Católicas na Ucrânia para o bem do país, sobre o clima político e social, em particular sobre a necessidade de realizar todos os esforços para favorecer a paz com o diálogo, para o bem-estar dos cidadãos com o compromisso de melhorar as condições de todos e para o pleno exercício da liberdade religiosa”.

1.5. Percursos respeitadores da legalidade internacional

Dia 7 de janeiro de 2019, falando ao Corpo diplomático, o Papa recordou a iniciativa humanitária na Ucrânia em favor da população que sofre: “A Igreja e as suas várias instituições continuarão esta sua missão, com a intenção de granjear maior atenção também para outras questões humanitárias, incluindo a sorte dos prisioneiros ainda numerosos. Com a sua atividade e a proximidade à população, a Igreja procura encorajar, direta e indiretamente, percursos pacíficos para a solução do conflito, percursos respeitadores da justiça e da legalidade, inclusive a internacional, fundamento da segurança e convivência em toda a região. Para isso, são importantes os instrumentos que garantam o livre exercício dos direitos religiosos”.

1.6. Fraternidade e amizade

Na mensagem de Natal de 2018, o Papa disse: “O Senhor recém-nascido leve alívio à amada Ucrânia, ansiosa por reaver uma paz duradoura, que tarda a chegar. Só com a paz, respeitadora dos direitos de cada nação, é que o país poderá se recuperar das tribulações sofridas e restabelecer condições de vida dignas para os seus cidadãos. Solidário com as comunidades cristãs daquela região, rezo para que possam tecer relações de fraternidade e amizade”.

1.7. O Cardeal Turkson na Ucrânia

Em novembro de 2018, o Cardeal Peter Turkson, Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, junto com o subsecretário Dom Segundo Tejado Muñoz, foi em missão humanitária à Ucrânia.

1.8. Encontros com a comunidade greco-católica ucraniana em Roma

Destacam-se dois encontros do Papa Francisco com os católicos ucranianos de Roma: a comunidade seminarística do Pontifício Colégio São Josafat e o encontro geral na Basílica Santa Sofia.

1.8.1. Pontifício Colégio São Josafat

No dia 09 de novembro de 2017, o Papa Francisco recebeu a comunidade do Pontifício Colégio São Josafat em Roma por ocasião do 85º aniversário de fundação. Falando à direção, aos padres e funcionários, contando ainda com a presença de outros representantes de instituições católicas ucranianas em Roma, sobretudo dirigindo-se aos estudantes, na maior parte padres, ele mencionou os motivos da fundação do Colégio pelo Papa Pio XI, que “se fez promotor de uma iniciativa que manifestava a solicitude especial e concreta dos sucessores do Apóstolo Pedro pelos fiéis da Igreja que vinham de áreas de sofrimento ou perseguição, que em Roma podiam se sentir como filhos amados que moram numa casa e nela crescem, preparando-se para a missão apostólica como diáconos e sacerdotes”. Além disso, “Pio XI, por meio de discursos e cartas, condenou claramente as ideologias ateístas e desumanas que ensanguentaram o século XX. Desta forma, ele destacou suas contradições, apontando para a Igreja o caminho elevado do Evangelho”.

Francisco disse ainda: “Mesmo nos nossos dias, o mundo é ferido por guerras e violência. Em particular, na vossa amada nação ucraniana, de onde vocês vieram e à qual vocês retornarão no final de vossos estudos em Roma, vocês experimentam o drama da guerra, que gera grande sofrimento, especialmente nas áreas envolvidas, ainda mais vulnerável aos rigores do inverno se aproxima”.

O Papa concluiu seu discurso dando algumas valiosas recomendações aos futuros pastores, apontando dois aspectos principais: 1) “Estudar a Doutrina Social da Igreja, amadurecer no discernimento e no julgamento das realidades sociais em que vocês serão chamados a trabalhar”. 2) “Ao amar e anunciar a Palavra, vocês se tornarão verdadeiros pastores das comunidades que serão confiadas a vocês e ela será a lâmpada que ilumina o vosso coração e vosso lar, sejam vocês que estão se preparando para o sacerdócio celibatário ou àquele uxorato, segundo a tradição da vossa Igreja”.

1.8.2. Basílica Santa Sofia

Em 28 de janeiro de 2018, Papa Francisco encontrou a comunidade greco-católica ucraniana romana na Basílica Santa Sofia em Roma. No seu caloroso discurso disse: “Estou aqui para lhes dizer que me sinto próximo de todos: próximo com o coração, perto com a oração, próximo quando celebro a Eucaristia. Ali suplico ao Príncipe da Paz para que as armas se calem. Peço-lhe também que já não tenhais necessidade de realizar enormes sacrifícios para manter os seus entes queridos”.

2. OBJETIVOS DO ENCONTRO

O encontro vinha sendo preparado há vários meses e foi anunciado oficialmente no dia 04 de maio de 2019, tendo como pano de fundo a dramática situação na Ucrânia, como assinalou o comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé, tendo mesmo como objetivo ser um “sinal de proximidade” solidariedade e auxílio do Papa à Igreja Greco-Católica Ucraniana atuante no país de origem e em outros países do mundo. Diz o comunicado:

“Na delicada e complexa situação em que se encontra a Ucrânia (…) o Santo Padre deseja dar um sinal da sua proximidade à Igreja Greco-Católica Ucraniana que realiza um importante serviço pastoral no país, assim como em vários lugares do mundo. Além disso, este encontro poderá oferecer uma ulterior ocasião para aprofundar a análise da vida e das necessidades da Ucrânia, com o objetivo de identificar como a Igreja Católica, e em particular a Igreja Greco-Católica, pode se dedicar com mais eficácia à pregação do Evangelho, contribuir ao apoio dos que sofrem e promover a paz, o acordo, no que for possível, com a Igreja Católica de rito latino e com as outras Igrejas e comunidades cristãs”.

3. PREPARATIVOS DO ENCONTRO

Foram mobilizadas várias pessoas para organizar o encontro. Além do próprio Arcebispo Maior, seu Secretariado e o Sínodo Permanente e das sugestões dos Metropolitas, o Pe. Andrij Soletskij, que faz a função de Secretário do Arcebispo Maior em Roma, foi o principal encarregado de providenciar a respectiva logística. O Pe. Andrij também foi um dos tradutores durante o encontro em que foram usadas duas línguas, italiano e ucraniano, no que foi auxiliado pelo Pe. Roberto Lyceiko, OSBM, Diretor Espiritual do Pontifício Colégio São Josafat.

Quase todos os Bispos ucranianos participantes hospedaram-se no Hotel Casa Maria Immacolata, Via Enzio, 28, bem próximo do Vaticano. Dom Volodemer se hospedou no Colégio São Josafat, sendo prontamente auxiliado e servido pelo Reitor Pe. Luis Caciano, OSBM, Vice-Reitor Pe. Teodósio Hrenh, OSBM e o Diretor Espiritual Pe. Roberto Lyceiko, OSBM.

4. TEMÁTICA DO ENCONTRO

Foram realizadas três sessões no dia 05 e duas no dia seguinte. O Papa esteve presente nas primeiras sessões de cada dia, presidindo e discursando na primeira sessão do dia 05. Focalizando a dramática problemática ucraniana em todos os seus aspectos sociais, políticos, religiosos, ecumênicos e humanitários, foram tratados os seguintes temas:

Dia 05, sexta-feira: o Papa Francisco tocou nas questões cruciais da Ucrânia e dirigiu palavras de solidariedade e de orientação; o Arcebispo Metropolita de Filadélfia Dom Borys Gudziak falou sobre “A Igreja Greco-Católica Ucraniana na Ucrânia e no mundo de hoje”; o Secretário do Sínodo dos Bispos Dom Bohdan Dzyurakh discorreu sobre “O programa pastoral e o plano de evangelização”; Sua Beatitude descreveu a “Situação sócio-política na Ucrânia hodierna”; o Secretário para as Relações com os Estados Dom Paul R. Gallager falou sobre “Os desafios da Igreja Católica na Ucrânia no contexto político hodierno”; o Arcebispo Metropolita de Filadélfia Dom Borys Gudziak apresentou “A situação humanitária” extremamente dramática na Ucrânia; o Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral Cardeal Peter Turkson continuou falando sobre a questão humanitária do ponto de vista da Santa Sé.

Dia 06, sábado: o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé Cardeal Luis F. Ladaria Ferrer falou sobre “A Igreja Católica e as Igrejas particulares”; o Arcebispo Metropolita de Winnipeg Dom Lawrence Huculak discorreu sobre “A necessidade e a possibilidade da criação de novas estruturas eclesiásticas para a Igreja Greco-Católica Ucraniana e para outras Igrejas Orientais Católicas no contexto hodierno”; o Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais Cardeal Leonardo Sandri se encarregou do tema “A Igreja Greco-Católica Ucraniana e a identidade das Igrejas Orientais Católicas”; Sua Beatitude Sviatoslav apresentou a complicada situação ecumênica na Ucrânia; o discurso do Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos Cardeal Kurt Koch teve o seguinte título: “Algumas considerações em mérito ao conceito ecumênico da Igreja Greco-Católica Ucraniana”.

5. PALAVRA DO PAPA DURANTE O ENCONTRO

Na Sala Bolonha, dia 05 de julho, na primeira sessão, recebendo o Arcebispo Maior, os Metropolitas e os Membros do Sínodo Permanente da Igreja Greco-Católica Ucraniana, o Santo Padre proferiu um longo discurso em que delineou com clareza a dramática situação bélica em que se encontra a Ucrânia, uma guerra que já vitimou cerca de 13.000 pessoas, e colocou no centro a questão da paz no país, o testemunho “vibrante” da Igreja feito através da oração e proximidade, especialmente para aqueles que sofrem, e a sinodalidade, que significa “caminhar juntos, com mansidão e docilidade”.

O Papa Bergoglio expressou proximidade e oração a todos, pedindo ao “Deus de toda a consolação” para “consolar as almas daqueles que perderam seus entes queridos por causa da guerra, daqueles que suportam suas feridas no corpo e no espírito, daqueles que tiveram que sair de casa e do trabalho e enfrentar o risco de procurar um futuro mais humano em outro lugar, longe”.

Lembrando o sofrimento e a perseguição dos nossos irmãos e irmãs que padeceram o martírio pela fidelidade à Igreja Católica e ao Papa, disse o Pontífice: “Agradeço a vossa fidelidade ao Senhor e ao Sucessor de Pedro, que muitas vezes custou caro ao longo da história, e peço ao Senhor que acompanhe as ações de todos os líderes políticos para buscar não o chamado bem partidário, que no fim é sempre um interesse às custas de outra pessoa, mas do bem comum, da paz”.

Como animação e recomendação teológica, eclesial e pastoral, o Santo Padre enfatizou o valor e a força da sinodalidade que, por natureza, é uma característica das Igrejas orientais que deve necessariamente levar à corresponsabilidade. “Não basta ter um sínodo, é necessário ser sínodo”, precisa se esforçar “em caminhar juntos, não somente com quem pensa do mesmo modo, mas com todos os crentes em Jesus”. A sinodalidade é um grande princípio eclesial, mas também uma prática pastoral importantíssima, que começa pelo ouvir, continua com o discernimento e se completa com o engajamento, também dos leigos.

Evidentemente, a sinodalidade acontece na união de toda a Igreja: “A unidade na Igreja será tanto mais fecunda quanto mais a compreensão e a coesão entre a Santa Sé e as Igrejas particulares forem reais. Mais precisamente: quanto mais compreensão e coesão entre todos os Bispos com o Bispo de Roma. Isso certamente não deve ‘levar a uma diminuição da consciência da própria autenticidade e originalidade’ (Orientale lumen, 21), mas moldá-la dentro de nossa identidade católica, isto é, universal. Enquanto universal, ela está em perigo e pode ser desgastada pelo apego a particularismos de vários tipos: particularismos eclesiais, particularismos nacionalistas, particularismos políticos”, enfatizou o Papa Francisco.

O Papa concluiu seu discurso, desejando que esses dois dias de encontro “sejam momentos fortes de partilha, de escuta recíproca, de diálogo livre, sempre animados pela busca do bem, no espírito do Evangelho” e que “nos ajude a caminhar melhor juntos”, sublinhou. “Recomendo-lhes este espírito, este discernimento sobre o qual verificar-se: oração e vida espiritual, em primeiro lugar; depois proximidade, especialmente aos que sofrem; e por fim, sinodalidade, caminhar juntos, caminho aberto, com mansidão e docilidade”.

6. COMUNICADO DA SANTA SÉ

Finalizado o encontro na tarde do dia 06 de julho, e após ter sido debatido pelos participantes do encontro, a Santa Sé emitiu um comunicado oficial com o seguinte conteúdo:

“De 5 a 6 de julho de 2019, o Santo Padre Francisco presidiu uma reunião com o Arcebispo Maior da Igreja Greco-Católica Ucraniana, juntamente com os Metropolitas e Membros do Sínodo Permanente, e os Chefes dos competentes Dicastérios da Cúria Romana.

Com esta iniciativa, o Santo Padre quis expressar sua proximidade com a Igreja Católica Oriental sui iuris. Juntamente com seus colaboradores, o Papa Francisco tem apreciado a história desta Igreja, sua tradição espiritual, litúrgica, teológica e canônica, sua fidelidade à comunhão com o Sucessor de Pedro, confirmada e selada com o sangue dos mártires.

A reflexão ocorreu em escuta recíproca e foi acompanhada pela oração, buscando as condições necessárias para o desenvolvimento e florescimento desta Igreja no mundo de hoje.

Foi dada especial atenção ao trabalho pastoral, à evangelização, ao ecumenismo, à vocação específica da Igreja Greco-Católica no contexto dos desafios hodiernos na situação sócio-política, em particular da guerra e da crise humanitária na Ucrânia, bem como a seu serviço em vários Países do mundo.

Espera-se que esta metodologia de partilha possa continuar, a fim de promover o desenvolvimento harmonioso da Igreja Greco-Católica Ucraniana, bem como das outras Igrejas Católicas Orientais na sua identidade e missão”.

7. ENTREVISTA DO ARCEBISPO MAIOR

A Santa Sé autorizou o Arcebispo Maior Sua Beatitude Sviatoslav Shevchuk a dar uma entrevista coletiva à imprensa, comentando um pouco o evento e apontando possíveis desdobramentos. Aqui pode-se ler a matéria de Giada Aquilino publicada no site Vatican News em português. A entrevista completa pode ser lida em italiano, no site ACI Stampa, publicada por Andrea Gagliarducci.

Após o encontro do Papa com o Arcebispo Maior de Kiev-Halytch, os Metropolitas e os Membros do Sínodo Permanente, o líder da Igreja Greco-Católica Ucraniana ilustrou os tópicos abordados nos dois dias. Situação humanitária em primeiro plano, disse Sua Beatitude Shevchuk, destacando a preocupação especial de Francisco pelas crianças atingidas pelo conflito. “Convidamos” o Papa para visitar a Ucrânia, ele disse.

Um encontro em que o Papa “quis tomar sobre si” a dor do povo da Ucrânia, um momento de “escuta e de reflexão” e junto, uma ocasião “de graça” para a exortação de Francisco à Igreja Greco-Católica Ucraniana e às outras Igrejas Católicas Orientais, para que “se desenvolvam e floresçam”: “teve início uma nova metodologia de comunhão entre o sucessor de Pedro e as Igrejas Orientais”, com a “esperança” que se torne uma “prática constante”.

Com estas palavras, Sua Beatitude Sviatoslav Shevchuk, Arcebispo Maior de Kiev-Halytch dos ucranianos, ilustrou na coletiva de imprensa realizada no Palácio Pio em Roma – sede da Rádio Vaticano, o encontro de dois dias presidido pelo Papa Francisco em 05 e 06 de julho, com o próprio líder da Igreja Greco-Católica Ucraniana, ao lado dos Metropolitas e Membros do Sínodo Permanente, na presença dos chefes dos competentes Dicastérios da Cúria Romana.

No primeiro dia de trabalho – disse em uma conversa com jornalistas – “nós convidamos” o Papa para ir à Ucrânia, porque uma visita sua poderia ser uma “possibilidade muito eloquente e simbólica” para acabar com o conflito no Donbass.

“Eu vou pensar sobre isso”, foi a resposta do Papa, confidenciou Sua Beatitude Shevchuk, recordando que a Ucrânia vem sofrendo as consequências de uma guerra nas regiões orientais do país e de uma crise humanitária que oficialmente provocou “13.000 mortes e 30.000 feridos”, mas – acrescentou – “para ter os dados reais, seria necessário duplicar esses números”, sinalizando também que nas últimas duas semanas ataques e bombardeios atingiram em particular “médicos e comboios médicos”.

Neste contexto, para dar um “testemunho de esperança”, em 11 paróquias das áreas  de guerra, continuam a atuar, em situação de perigo, os sacerdotes desta Igreja Católica Oriental sui iuris:eles não podem fazer muito – disse o Arcebispo Maior – mas a sua presença entre o povo é uma prova de que Deus não o abandonou”.

A questão humanitária esteve entre os temas tratados no encontro, ao qual o Papa esteve sempre presente, explicou Sua Beatitude Shevchuk. Algo que chamou a atenção foi o alerta lançado pelo arcebispo de Kiev-Halytch: “em poucos meses – disse ele – teremos uma catástrofe ecológica, porque quase quatro milhões de pessoas não terão mais acesso a água potável”. As milhares de crianças expostas ao conflito, vítimas de mutilações devido à “excessiva poluição” provocada por “material explosivo”, chamaram em particular a atenção de Francisco.

Na perspectiva de uma assistência particular aos pequeninos, além da iniciativa “Papa para a Ucrânia” – dirigida indistintamente a todas as populações em sofrimento para assistência habitacional, de aquecimento, alimentação, medicamentos e atendimento psicológico – a Igreja agora “abre o desafio da reabilitação” para quem tenha perdido algum membro devido às armas de guerra, e quem sabe hoje forçado a “ir para o exterior” em busca de tratamento. Isto é, ativar um centro, um “amanhã na Ucrânia, com a colaboração da Santa Sé”.

O pensamento vai para o acordo de colaboração entre o Hospital “Bambino Gesù” e os Hospitais Pediátricos da Federação Russa, assinado na semana passada por ocasião da visita do Presidente Vladimir Putin ao Vaticano, mesmo se o Cardeal Secretário de Estado Pietro Parolin – que foi para a Ucrânia em 2017 – precisou que entre a audiência do Papa com o chefe do Kremlin e o encontro com a Igreja Greco-Católica Ucraniana no Vaticano, não houve – referiu Shevchuk – nenhuma “coincidência” e “nenhuma sombra” pesou sobre este dois dias.

Entre os outros temas abordados no encontro com o Pontífice, ganhou relevância a questão ecumênica, visto que para um país de mais de 40 milhões de habitantes, segundo revelações oficiais “71% se reconhecem como ortodoxos e 14,1% greco-católicos”.

O Arcebispo também respondeu a uma pergunta sobre a possível concessão do Patriarcado à Igreja Greco-Católica Ucraniana, um tema debatido por muitos anos: é “como um patriarcado”, disse ele, sem mencionar decisões ou discussões com a Santa Sé a este respeito.

Reiterada, ademais, a vontade da Igreja Greco-Católica Ucraniana de um diálogo “com todos”, “não entrando em discussões internas da Ortodoxia”, com referência à autocefalia da Igreja Ortodoxa da Ucrânia – concedida por Constantinopla – e ao Patriarcado de Moscou.

No panorama ucraniano, com a recente eleição do Presidente Volodymyr Zelensky e as consultas parlamentares antecipadas para 21 de julho próximo, a Igreja Greco-Católica Ucraniana pede instituições “mais eficientes” em favor dos pobres e indefesos – assegurou o Arcebispo Maior – nunca negligenciando “a dignidade humana, o bem comum, a solidariedade e a subsidiariedade” e denunciando que a cada ano “um milhão de cidadãos ucranianos emigram”, principalmente “jovens e profissionais”.

Por isso – concluiu – é importante que países estrangeiros decidam “investir na Ucrânia”, para criar novos postos de trabalhos.

Giada Aquilino – Cidade do Vaticano

8. PALAVRAS FINAIS

O encontro da cúpula da Igreja Greco-Católica Ucraniana com o Papa Francisco e Chefes de alguns Dicastérios mais envolvidos com a questão ucraniana constituiu uma experiência única e cheia de significados, altamente promissora, que certamente ficará profundamente registrado na História da Igreja e principalmente na alma ucraniana.

O diálogo, a eclesialidade, a comunhão, a solidariedade e a sinodalidade ganharam vigor, animaram a Igreja Greco-Católica Ucraniana com seus líderes e fiéis, tantas vezes sofridos e martirizados em tempos passados e nos tempos hodiernos, e fortaleceram a Igreja como um todo – o Corpo de Cristo. Foi reavivada a fé. Foi acesa uma forte luz da esperança. Foram abertas mais portas e ainda maiores do amor e da caridade. Graças ao Papa Francisco!

O encontro abriu o caminho para uma nova metodologia de trabalho em conjunto, verdadeiramente sinodal, eclesial, que constrói a Igreja, que deve respirar plenamente com os dois pulmões, oriental e ocidental, curados e fortalecidos pela graça divina e pelo sábio discernimento de seus principais agentes, tornando-a mais eficaz na evangelização, santificação e libertação dos povos oprimidos e perseguidos – sinal visível do Reino.

Texto: Secretariado Metropolitano

Fotos: Serviço Fotográfico do Vaticano