Basilianos celebram seu Fundador

Primeiro dia do ano civil – 1º de janeiro – é uma data marcante na vida da sociedade em todo o mundo por significar a despedida de mais um ano e início de um novo; data essa impregnada de anseios e esperanças, pois apesar dos enormes limites pessoais e sociais, o ser humano sempre busca a superação e as diversas melhorias. “A esperança é a última que morre”, diz o ditado popular. Para os basilianos, que constituem uma ordem religiosa – Ordem de São Basílio Magno (OSBM), essa data possui um significado mais espiritual, porque eles celebram a festa de seu longínquo fundador e pai espiritual – São Basílio Magno. E neste ano a festividade anual se revestiu de um significado ainda maior, porque a Ordem celebra os 400 anos de sua grande reforma e os 120 anos de sua presença em terras brasileiras.

A Ordem está estruturada nas obras ascéticas de São Basílio Magno (329-379), de acordo com a Regra por ele estabelecida, e, posteriormente, desenvolvida por São Teodoro Estudita (760-826), São Teodósio de Kiev (m. 1074), São Josafat Kuntsevych (1580-1623) e o metropolita de Kiev Josyf Veliamyn Rutskiy (1574-1637). A congregação basiliana é conhecida como Ordem Basiliana de São Josafat, porque foi São Basílio Magno o seu fundador e São Josafat Kuntzevitch quem a reformou entre os anos 1607-1623. A Ordem faz parte da Igreja Católica Ucraniana (UGCC) do Rito Oriental Bizantino.

A Ordem Basiliana tem suas constituições ou estatutos próprios, reconhecidos pela Santa Sé, sendo de Direito Pontifício. Seus membros professam os três votos de pobreza, obediência e castidade, aprovados pela Santa Sé, mais o juramento de submissão e fidelidade ao sucessor de São Pedro – o Papa. No Brasil, esta ordem religiosa está organizada eclesiasticamente como Província São José e é registrada civilmente como pessoa jurídica formando a Associação de São Basílio Magno.

A história dos basilianos no Brasil está indissoluvelmente ligada à imigração ucraniana. Essa história começa com um único padre, Silvestre Kyzema, e se desenvolveu com o trabalho incansável e sacrificado de tantos membros da Ordem em prol desse povo ao longo de 120 anos, vindo a se firmar como uma instituição que tem seu nome quase identificado com a vida dessa etnia no Brasil.

Lembrando seus fundamentos históricos e espirituais, a comunidade do Convento e Seminário São Basílio Magno, que também administra uma instituição acadêmica própria, a Faculdade de Filosofia FASBAM – Faculdade São Basílio Magno, festejou solenemente o dia de seu grande Padroeiro São Basílio Magno.

FOTOS: Ir. Irineu Letenski, OSBM

Às 10 horas, o Pe. Mario Marinhuk, OSBM – Superior do Convento deu as boas-vindas aos presentes e logo foi dado início à Divina Liturgia de São Basílio Magno, presidida pelo Arcebispo Metropolita Dom Volodemer Koubetch, OSBM e concelebrada pelos seguintes sacerdotes basilianos: Antônio Royk Sobrinho, OSBM – Superior Provincial, o citado Pe. Mario, Soter Schiller, Teodoro Haliski – vindo de Prudentópolis, Arcenio Krefer, Sérgio Iwantchuk – vindo de Mafra. Os cantos litúrgicos foram bela e piedosamente executados pelos seminaristas basilianos sob a direção do Ir. Jonas Samuel Chupel.

Em sua homilia, Dom Volodemer apresentou a figura de São Basílio como um eclesiástico à frente de seu tempo, uma pessoa de grande sabedoria intelectual e prática, homem de diálogo e transformação eclesial e social. Citando Paulo D. Siepierski, ele definiu a liturgia basiliana como uma “leitourgia holística” (veja o texto abaixo).

Marcaram presença no evento representantes das seguintes congregações: Irmãs de Sant’Ana, Irmãs Basilianas, Irmãs Servas de Maria Imaculada, Irmãs Franciscanas (vizinhas do Seminário) e do Instituto Secular das Catequistas do Sagrado Coração de Jesus.

Após a celebração litúrgica, todos desceram ao hall de entrada da FASBAM, onde o Arcebispo Metropolita procedeu a bênção do ícone de São Basílio Magno. O ícone foi escrito pela Ir. Verônica Nogas, SMI. Também foram abençoados os retratos de todos os metropolitas que dirigiram e dirigem a Igreja Católica Ucraniana durante os 400 anos da reforma basiliana. Esses retratos, patrocinados pelos Padres Teodoro Haliski e Tarcísio Zaluski, foram colocados no corredor do lado esquerdo do prédio, no espaço do convento. A coleção prima pela arte específica (maior parte pela pintura) e pela grandiosidade histórica. Afinal, são quatro séculos de história. Certamente, um elemento estético e cultural importante na formação das novas gerações de religiosos e sacerdotes.

O evento foi encerrado com um momento de partilha e confraternização, durante a qual prestou-se homenagem ao Pe. Basilio Koubetch por ocasião de seu onomástico.

HOMILIA POR OCASIÃO DA FESTA DE SÃO BASÍLIO

Seminário São Basílio Magno – Curitiba, 01 de janeiro de 2017

Високопреподобний Отче Протоігумене Антоніє Роік,

Високопреподобна Сестро Акилино – Головна Настоятелько,

Високопреподобна Сестро Маріє Дмитрів – Провініційна Настоятелько,

Високопреподобні Отці,

Преподобні Брати е Сестри,

Prezadas Irmãs Franciscanas – vizinhas do Seminário!

Христос Раждається!

Celebrando os 400 anos de fundação da Ordem Basiliana de São Josafat, os 120 anos de sua atuação no Brasil, e, hoje, a Festa de São Basílio Magno, iniciando mais um ano civil, toda a Ordem Basiliana, bem como toda a Igreja Católica Ucraniana e também toda a Igreja universal se volta com muito interesse a esses dois grandes personagens – São Basílio Magno e São Josafat Kuntsevytch – grandes pilares do cristianismo e da Igreja. São nossos pais e mestres espirituais e nos ensinam muitas coisas. Este ano jubilar nos dá a oportunidade de aprofundar um pouco mais seus ensinamentos, colocando suas figuras como referências de primeira categoria em muitos aspectos da vida eclesial e religiosa-consagrada.

Em nossa reflexão para a festividade de hoje, gostaria de focalizar um aspecto importante do ensinamento de São Basílio Magno: ainda que ele próprio não o fez de forma sistemática, estudos especializados apontam para um corpo doutrinal, espiritual, moral e pastoral coeso e coerente. Ele é conhecido como o homem do equilíbrio, da integração, da síntese, do ecumenismo. Trata-se de uma integridade de cunho humano, cristão, teológico e espiritual. Poderíamos definir seu modo de pensar e agir como um paradigma holístico-cristão.

Começando pela sua própria formação intelectual e cultural, Basílio teve a formação mais completa possível em seu tempo, ou seja, a de um “’retor’, que na época era constituído de estudos globais, diríamos ‘universitários’, que incluía toda a ciência da época: filosofia, linguagem, literatura, oratória, direito, história e até mesmo medicina. Esses estudos habilitavam para a carreira política, advocacia, administração de cidades e atividades afins”. (Pe. Soter SCHILLER, OSBM. São Basílio Magno – Patriarca das comunidades consagradas. Prudentópolis: Edições Basilianas, 2016, 09). Do ponto de vista da formação intelectual, diante da excessiva fragmentação do conhecimento na atualidade, até mesmo excesso de especializações, isso nos deve animar aos estudos necessários ao serviço da Igreja e da humanidade, que devem ser realizados com toda a seriedade metodológico-científica, e a buscar sempre mais o conhecimento integral, a sabedoria de vida.

Mesmo que Basílio enveredou pelo caminho da vida ascética, abandonando a carreira de “retor”, cujos elementos foram considerados “futilidades” (SCHILLER. São Basílio Magno…, p. 09), os conhecimentos adquiridos lhe serviram para a sábia remodelação do monaquismo e competente e amável governo da Igreja. Ele formou-se nas escolas da cultura pagã, helênica, neoplatônica; mas esta foi colocada a serviço do Evangelho e da Igreja. O diálogo entre cristianismo e cultura é uma constatação marcante em suas obras. É certo que ele jamais desprezou a cultura filosófica não cristã e o aprendizado que sobre os clássicos pode ser feito. Isto é testemunhado por uma de suas obras mais conhecidas, o Discurso aos jovens, e, sobretudo, pelo esforço de síntese, de mediação e enriquecimento cultural que se percebe no conjunto de suas obras. /Cf. MESTRADO, p. 88/. Essa atitude de valorização da cultura nos ilumina no embate atual entre fé cristã e ciência, cultura.

A teologia basiliana, de um lado, é fundamentalmente mística; de outro, é admiravelmente pastoral, prática, social /Cf. MESTRADO, 68/. Alguns estudiosos afirmam ser a atuação de Basílio, compreendida como pensamento e como ação concreta, uma perfeita ligação entre ortodoxia e ortopráxis. De fato, ele foi um homem coerente, linear, sem compromissos de moda. Conjugando ortodoxia e ortopráxis, ele foi e permanece uma testemunha exemplar, uma “regra” de comportamento, como o definia seu amigo Gregório, que o escolhera para diretor de vida e mestre de dogma. Eclesiástico, ao mesmo tempo em ascese, ação e estudo, ele brilhou como santo, pastor e teólogo. Sempre quis agradar a Deus, seja nas obras, seja nas palavras, seja nos pensamentos. (Cf. CIGNELLI, L. Studi Basiliani sul rapporto “Padre-Figlio”. Studium Biblicum Franciscanum, Analecta nº 15, Jerusalem: Franciscan Printing Press, 1982, 14.) Conhecido como “o romano entre os gregos”, pela precisão e clareza de sua doutrina (Cf. FOLCH GOMES, C. Antologia dos santos padres. São Paulo: Paulinas, 3ª ed., 1985), ele é um marco importante na história da Igreja e da teologia cristã. Ele representa um ponto de convergência da tradição teológica e da cultura cristã e não cristã, sobre as quais elaborou uma síntese crítica e transformadora. Ele se encontra no centro – também geográfico – de um período entre os mais complexos de acontecimentos eclesiais e políticos da antiguidade cristã, acontecimentos que, de qualquer forma, foram marcados pela sua obra e pela sua palavra. (Cf. CAVALCANTI, E. L’esperienza di Dio nei Padri greci. Il trattato “Sullo Spirito Santo” di Basilio di Cesarea. Roma: Studium, 1984, 19). /Cf. MESTRADO, p. 70/.

Vivemos numa época muito complexa e desafiadora em todos os sentidos: político-social, econômico-financeiro, científico-cultural, religioso-moral. O relativismo doutrinal e moral ronda as mentes de muitas pessoas. Muitas vezes, no cuidado exagerado em ser “bonzinho”, sociável, bem aceito socialmente, ou, querendo ser sempre e em tudo “politicamente correto”, os católicos, entre eles agentes de pastoral, esquecem sua verdadeira identidade cristã-católica e não defendem adequadamente sua fé, seus valores e sua Igreja. Esta, por sua vez, muitas vezes esquece de ser mais profética diante de certas ideologias que ameaçam seus próprios fundamentos, como, por exemplo, a família. Basta lembrar a “ideologia de gênero” sobre a qual, felizmente, nosso Arcebispo Maior Sviatoslav escreveu uma longa carta pastoral.

São Basílio é um exemplo para nós de ortodoxia e ortopráxis. Em sua ortodoxia, a defesa da fé ortodoxa, ou seja, verdadeira, ele incansavelmente lutou contra o arianismo, que negava a divindade de Cristo, e por isso, sofreu não somente pressão política externa, mas também divisões internas. Em sua ortopráxis, foi um exímio orador e escritor, num espírito profético de 1) anúncio do Querigma, fiel ao Evangelho e ao conjunto das Sagradas Escrituras; 2) de denúncia dos poderosos, que exploravam os pobres, e dos erros morais, como o aborto; e 3) de compromisso assumido na reforma monástica, visando a renovação da própria Igreja. Mostrou-se um verdadeiro empreendedor cristão, sendo a “Basilíade” um testemunho inegável.

A eclesiologia basiliana é integral, compreendida mais em termos de mistério a ser vivido plenamente do que em formulações teológicas racionais, porque na época dos Padres não se colocava a questão da natureza da Igreja (Cf. EVDOKIMOV, Paul. L’ortodossia. Bologna, 1964, 173) / MESTRADO, 96/. Os diversos pontos em que se concretizava a atividade de São Basílio como pastor e como político em favor da Igreja – una, pacífica, ecumênica – sintetizam-se em uma unidade equilibrada de ideias e de obras, como se lê em sua rica biografia (Cf. SCAZZOSO, P. Introduzione alla eclesiologia di San Basilio. Milano: Vita e Pensiero, 1975, 51-52). /MESTRADO, 94).

O cristianismo basiliano é total: divino e humano, espiritual e moral, ortodoxo e ortoprático, contemplativo e ativo, comunitário e pessoal, pacífico e profético, eclesial e social, da liturgia como celebração e da liturgia como ágape, da koinonia-comunhão e da diakonia-serviço. Assim, segundo Paulo Donizéti Siepierski, a liturgia de São Basílio (“liturgia” originariamente significa serviço público) é uma “leitourgia holística”, (Cf. A “leitourgia” libertadora de Basílio Magno. São Paulo: Paulus, 1995, 11), ou seja, é um serviço divino-humano da Igreja para o bem da humanidade e da sociedade. Diaconia é o tema que estudaremos este ano dentro do projeto Paróquia Viva.

Que São Basílio seja a nossa luz na busca intelectual da verdade, do bem e do belo e no empenho pastoral da liturgia total que se expande e se concretiza na diaconia-serviço! Amém!